A acessão do Brasil à OCDE sob a ótica aduaneira
- estivasantos
- 16 de fev. de 2022
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Em 25 de janeiro deste ano, o Conselho da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) decidiu iniciar formalmente as discussões sobre a adesão do Brasil à organização, situação que foi bastante anunciada pela mídia e que retomou diversas discussões relevantes sobre o caminho a ser trilhado para que o país seja efetivamente aceito como membro e, principalmente, sobre as reformas e ajustes necessários para que isso se concretize.
Não obstante as discussões técnicas e políticas sobre as mudanças e avanços necessários para a entrada do Brasil na OCDE convergirem, em sua maioria, para questões tributárias [1] e ambientais, é notório que existem outras áreas e medidas que precisam ser igualmente endereçadas e que já foram, por diversas vezes, pontuadas pela OCDE em suas análises anuais e documentos técnicos endereçados ao caso brasileiro. Entre elas, a área aduaneira [2].
A questão do comércio exterior é citada na própria carta-convite assinada pelo secretário-geral da OCDE, Mathias Cormann, e endereçada ao presidente Jair Bolsonaro, a qual condiciona o início das negociações à adesão do Brasil aos princípios contidos na Declaração da Nova Visão do 60º Aniversário da OCDE e na Declaração do Conselho Ministerial da OCDE de 2021 [3].
Entre os nove princípios citados na carta, dois deles versam diretamente sobre o comprometimento dos países em relação ao comércio internacional: a promoção de economias de mercado abertas, competitivas, sustentáveis e transparentes; e o fortalecimento do sistema multilateral de comércio pautado em regras e focado na Organização Mundial do Comércio (OMC), o que implica medidas que favoreçam a inserção em cadeias globais de valor (CGV), aumentem a integração de pequenas e médias empresas no comércio internacional e afastem o uso desnecessário de barreiras comerciais.
Considerando tais diretrizes, bem como as avaliações quantitativas e qualitativas realizadas pela OCDE em relação ao quadro político-institucional brasileiro, é possível afirmar que a adequação do Brasil aos padrões da OCDE em termos aduaneiros e de comércio exterior se concentram sobre o eixo da produtividade e da competitividade e se referem, principalmente, às seguintes pautas: 1) abertura comercial e inserção da indústria nacional nas CGV; 2) redução das barreiras ao comércio; 3) aceleração das medidas de facilitação do comércio contidas no Acordo sobre a Facilitação do Comércio (AFC) da OMC; e 4) elaboração de medidas que aumentem a segurança jurídica das operações e reduzam o grau de judicialização/litigância da matéria.
No que concerne à abertura comercial, não é de hoje que o Brasil é considerado um país fechado, visto que, apesar de estar entre as dez maiores economias do mundo, sua participação no comércio internacional é considerada bastante tímida, principalmente em termos totais, mas também em relação ao que importações e exportações representam em termos de PIB.
A solução desse problema, em grande medida, passa pela inserção da indústria em CGV. O que se verifica é que o Brasil, por ser fechado e ter tarifas de importação de bens de capitais e intermediários acima de seus pares, acaba por permitir que apenas sejam exportados bens cuja produção nacional seja altamente competitiva, restringindo não apenas a pauta de produtos que são ofertados externamente, como também dificultando que pequenas e médias empresas consigam se projetar internacionalmente.
Prova disso é que, enquanto a média dos países da OCDE, no que tange ao percentual de valor agregado por meio de importação aos produtos finais exportados, é de 45,5%, as exportações brasileiras apresentam apenas 19,3% de agregação de insumos e bens importados em seus produtos finais destinados ao mercado externo [4].
Da mesma forma, contribui para dificultar uma maior abertura comercial o fato de o controle regulatório das importações e exportações estar pulverizado entre um número alto de anuentes (Anvisa, Inmetro, Mapa, Secex, Exército, Ibama, entre outros), cuja forma de operação e atuação não é dialogada e tampouco sincronizada, com número excessivo de licenças não automáticas de importação — o que já foi objeto de severas críticas da própria OMC [5].
Quanto à facilitação do comércio, importa destacar que a OCDE possui diversas ferramentas que visam a medir a eficiência aduaneira dos países e sua adequação às medidas contidas no AFC da OMC, em especial, o trade facilitation indicator e o trade facilitation policy simulator [6]. A partir de tais instrumentos, que permitem verificar os principais gargalos aduaneiros de cada país, verifica-se que as principais frentes em que o Brasil apresenta dificuldades no avanço rumo à modernização e otimização do comércio exterior são a cooperação interna entre autoridades regulatórias envolvidas no controle aduaneiro e a parca interação público-privada.
Segundo a análise da OCDE, a falta de cooperação interna deriva da falta de uma visão de governo sobre todos os órgãos envolvidos no comércio exterior, o que leva a atuações dessincronizadas, falta de compartilhamento de espaço e equipamentos e realizações repetidas de rotinas de fiscalização que poderiam ser concentradas em um único agente. Fatos que ilustram tal situação são a dificuldade da RFB em avançar com o Programa OEA Integrado, face à falta de interesse e comprometimento dos demais órgãos anuentes com o projeto ou mesmo os resultados apresentados no relatório do Time Release Study (TRS) [7], em que os tempos e gargalos do controle aduaneiro são reportados de forma individual por órgão, e não abordados de maneira integrada, tais quais são vistos e sentidos pelos operadores do comércio.
No que concerne à interação público-privada, entendida como as formas de diálogo entre autoridades governamentais e o setor privado de forma a garantir maior transparência e previsibilidade ao comércio exterior, a avaliação feita sobre o Brasil indica que se trata de ponto ainda pouco explorado, visto que consultas públicas, circulação de minutas de normas antes de sua entrada em vigor para familiarização e comentários do setor privado e comunicação dos objetivos por trás das políticas públicas implementadas são estratégias pouco exploradas e não obrigatórias no país.
De forma adicional, a OCDE aponta o grande número de exceções ao tratamento comum e a variedade de regimes aduaneiros especiais como pontos sensíveis, visto que diminuem a isonomia entre operadores e tornam o ambiente normativo mais complexo e de difícil interpretação.
Por fim, ainda na esteira da previsibilidade jurídica, os relatórios da OCDE indicam que o Poder Judiciário brasileiro é considerado ineficiente e custoso, o que seria reflexo da falta de especialização de juízes e varas para assuntos técnicos específicos — como é, de fato, o direito aduaneiro — e da existência de um modelo excessivamente formalista, que não acompanharia a dinâmica do mercado.
Em resumo, ao explorar de forma muito superficial os quatro pontos do sistema aduaneiro brasileiro que a OCDE indica como sensíveis, já é possível verificar que existem reformas complexas e relevantes a serem implementadas para que o Brasil se equipare aos principais países membros da referida organização.
Por outro lado, ainda que tal tarefa não seja simples, deve-se ressaltar que nos últimos anos o Brasil já deu passos importantes e que sinalizam que todas essas mudanças são factíveis — houve recente redução das tarifas de importação de maneira ampla e transversal, licenças de importação e exportação consideras desnecessárias foram revogadas, acordos internacionais sobre facilitação de comércio foram assinados e ratificados, investimentos em automação de rotinas aduaneiras e gestão de risco foram feitos e consultas públicas passaram a ser utilizadas com maior frequência (principalmente pela Secex).
Dito isso, a carta-convite da OCDE e o momento atual devem ser celebrados enquanto marco que sinaliza o reconhecimento da intenção brasileira em se tornar parte efetiva do comércio internacional, bem como uma oportunidade relevante para que a comunidade acadêmica, o governo e o setor privado empreendam esforços para que a agenda aduaneira possa avançar de forma adequada e célere.
Fonte: ConJur
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