Enquanto o governo federal tenta agilizar e simplificar as outorgas portuárias nos terminais brasileiros, o setor reclama da lentidão de respostas vindas de Brasília em processos de arrendamentos e da falta de projeto para melhorar a infraestrutura dos portos do país, que é, no geral, defasada e incapaz de receber navios maiores.
O diretor-presidente do porto de São Francisco do Sul (SC), Cleverton Vieira, diz à reportagem que uma análise da Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) para um processo licitatório de arrendamento de terminal graneleiro chegou a perdurar por 14 meses.
"Não é má-vontade da Antaq, mas sim um problema estrutural, além da falta de pessoal", diz. Vieira afirma que hoje os processos são longos e trazem insegurança ao investidor.
O porto em São Francisco do Sul assumiu a liderança da movimentação de cargas em novembro do ano passado e se tornou o maior porto do estado.
Com o arrendamento, o terminal pretende dar o aval para que a iniciativa privada explore a área graneleira em questão. Agora, o porto irá compilar os dados recebidos durante consulta pública que tratou do tema para enviá-los ao TCU (Tribunal de Contas da União), segundo Vieira.
Procurada pela Folha, a Antaq disse que cumpre os prazos legais definidos para os processos de arrendamentos portuários. Segundo a agência, o tempo para que um projeto seja leiloado varia de acordo com a complexidade.
Em junho, o Ministério de Portos e Aeroportos anunciou o lançamento do programa Navegue Simples, criado para diminuir as burocracias nos processos de outorgas portuárias.
A expectativa da pasta é que a iniciativa simplifique ritos administrativos e reduza o tempo e o custo que as empresas levam para obter contratos de autorização, arrendamento, concessão ou aditivo contratual. Para isso, o governo irá revisar portarias, instruções normativas e resoluções que envolvam o tema.
O ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, anunciou no fim do mês passado que o leilão do primeiro bloco de concessão de arrendamentos portuários de 2024 será feito em 21 de agosto, na B3, Bolsa de Valores de São Paulo.
As cinco áreas estavam previstas em um leilão marcado para maio, que foi reagendado devido à situação de calamidade no Rio Grande do Sul.
O bloco inclui três áreas do porto do Recife (PE), uma no porto do Rio de Janeiro e uma no porto do Rio Grande (RS). No total, as cinco áreas devem ter investimento da ordem de R$ 79 milhões.
O governo prevê a realização de outros blocos de concessões ainda neste ano.
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O arrendamento é uma modalidade de privatização das operações portuárias que concede áreas públicas localizadas dentro dos portos para exploração por um prazo determinado.
Os arrendamentos passam pelas etapas de estudos, audiência e consulta públicas, análise do TCU e publicação do edital para depois chegar à parte de recebimento de propostas e realização leilão.
Procurado pela Folha, o Ministério de Portos e Aeroportos disse que, na primeira etapa, o Navegue Simples será aplicado às autorizações de TUP (terminais de uso privado). Por isso, os arrendamentos do bloco não serão contemplados, segundo a pasta.
Segundo o ministério, ainda não há uma lista prévia de portos ou projetos que devem ser concedidos a partir de inovações provenientes do Navegue Simples.
A pasta afirma que, por meio da política pública de desburocratização, busca criar um espaço formal para aperfeiçoamento do modelo de concessões vigente e integrar temas que até agora não faziam parte do modelo, tais como mitigação dos efeitos da mudança do clima sobre o investimento portuário e a redução de etapas e de tempo necessários até a assinatura de um novo contrato de concessão.
"O aspecto mais significativo, na minha visão, é a criação do programa em si, é o reconhecimento de que é urgente simplificar regras que são verdadeiras amarras aos investimentos", afirma Roberta Carvalhal, presidente do conselho diretor da Abratec (Associação Brasileira dos Terminais de Contêineres).
Ela diz, no entanto, que as primeiras fases do programa não enfrentam diretamente o problema de limitação dos calados (profundidade para atracação). Carvalhal afirma que o tema é de responsabilidade das autoridades portuárias, mas espera que o assunto seja discutido ao longo do programa.
O setor vem reclamando do problema de infraestrutura enfrentado pelos portos brasileiros, que demandam mais profundidade no acesso aos terminais para que navios maiores possam atracar. Com a limitação, representantes da indústria dizem que embarcações estão reduzindo a capacidade para não encalhar.
"Percebemos uma abertura para que o setor proponha melhorias na regulação de forma geral e certamente levaremos propostas direcionadas aos processos de gestão e outorga de canais de acessos, tornando-os atrativos para a iniciativa privada e eliminando as dificuldades existentes para que tenham profundidade adequada de forma perene", afirma Carvalhal.
Segundo Robert Grantham, sócio da consultoria Solve Shipping, agilizar as concessões, como é proposto pelo Navegue Simples, já é um benefício para a infraestrutura dos terminais. No entanto, ele afirma que o programa ainda é vago nas suas intenções.
Ele diz que a dragagem (processo para aprofundar os calados) é o grande nó da indústria hoje. Grantham afirma ser necessário um plano de Estado, não só de governo, com investimento público em dragagem de aprofundamento.
"Hoje os navios que operam na indústria brasileira são navios que transportaram 8.000 ou 9.000 TEUs [a unidade de medida equivale a um contêiner de 20 pés]. Esses navios vão sair do mercado, nem estão sendo mais construídos. O programa não toca muito na infraestrutura, que hoje é o nosso grande nó", diz.
O Ministério de Portos e Aeroportos formará um comitê técnico para desenvolver as medidas de desburocratização. O programa Navegue Simples é permanente, segundo a pasta, e será composto por ciclos de quatro anos.
Fonte: Folha de S. Paulo
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