Antes do mundo começar a enfrentar a pior crise sanitária que o planeta já vivenciou, decorrente da pandemia de Covid-19, as propostas para a sustentabilidade na indústria marítima no fim de 2019, e instituídas pela IMO 2020 (Organização Marítima Internacional, em português), giravam em torno da redução da queima direta de combustível fóssil IFO 380 (Intermediate Fuel Oil), com a emissão de 3,5% de enxofre, por um óleo mais leve – o VLSFO (Very Low Sulphur Fuel Oil) –, que deveria emitir até 0,5% desse elemento químico.
Três anos mais tarde e próximo do final de 2022, o cenário dos debates para a próxima reunião da IMO – agência coordenada pela Organização das Nações Unidas (ONU), que visa à regulamentação dos padrões de proteção e segurança no transporte marítimo mundial – deve envolver a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEEs), principalmente do dióxido de carbono (CO2), pelos navios.
Na opinião de Leandro Carelli Barreto, sócio da Solve Shipping Intelligence, a navegação em todo o mundo está passando por uma grande transformação, que tende a ser menos ágil em relação a outros negócios, considerando que construir novos navios leva de dois a três anos. No entanto, ele já percebeu uma melhora nesse mercado, a partir do aumento da quantidade de navios que está sendo encomendada aos estaleiros.
“Hoje, não se vê mais encomendas de navios de 8 mil a 12 mil TEUs, por uma razão muito simples: a pegada de carbono deles. Esse navio não é grande demais para ter uma eficiência energética, como os de 24 mil TEUs, e nem pequeno demais. No entanto, ele é grande demais para operar em rotas curtas, como as de cabotagem”, citou o consultor à Portos e Navios.
Barreto comentou que, logo, o mundo terá acesso à IMO 2023, que prevê uma importante mudança na legislação mundial relacionada à emissão de GEEs e da pegada de carbono dos navios. “Esses navios de 8 mil a 12 mil TEUs tendem a desaparecer dos oceanos nos próximos cinco ou dez anos. Problema é que eles representam, praticamente, dois terços da frota que faz o comércio exterior brasileiro”.
Por essa e outras razões, ele apontou que o Brasil vive um momento bastante emblemático em termos de infraestrutura marítima e aquaviária: “Ou nossos portos e terminais se preparam para conseguir receber navios entre 12 mil e 15 mil TEUs, que precisam de 366 metros de comprimento de bacia de evolução, área de giro de navio de 366 metros e 16 metros de calado, ou só vamos ser atendidos por navios de 8 mil TEUs”.
Na visão do sócio da Solve Shipping, o atual gargalo é que essas embarcações, até por conta da pegada de carbono, não farão mais longas viagens até a Ásia ou Europa. “Esses navios ficarão fazendo tiros curtos até algum hub port no Caribe ou até um hub port na entrada do [Mar] Mediterrâneo. Eles deixarão suas cargas por lá e, de lá, elas serão distribuídas para o resto do mundo. Isso prejudicaria muito o exportador brasileiro, não só em termos de custos, mas também em ‘transit time’. O setor de frutas, por exemplo, seria fortemente prejudicado em um cenário desse tipo”, alertou Barreto, destacando a urgência de as autoridades brasileiras se atentarem a essas mudanças, que devem constar na IMO 2023.
Conforme o vice-presidente executivo do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), Sergio Bacci, as novas propostas para o ano que vem afetarão, basicamente, os amadores, que terão de se adaptar a elas. “Evidentemente que, na medida em que essas regras têm de ser adaptadas pelos amadores, a indústria naval [dentro desse ciclo de mercado] também terá de se adaptar para atender a seus compradores. Evidente que não será um processo da noite para o dia, mas não tenho dúvida de que a indústria naval brasileira vai se adaptar às novas regras e vamos começar a construir navios atendendo às futuras normas da IMO”, comentou ele à Portos e Navios.
Propostas para 2023
No artigo “IMO 2023 – O que vem por aí?” assinado por Robert Grantham, também sócio da Solve Shipping Intelligence, foram elencados os principais tópicos da Organização Internacional Marítimo para o ano que vem:
1) Energy Efficiency Existing Ship Index (EEXI): Aplicável a todos os navios com mais de 400 toneladas, porém de maneira proporcional a um “patamar mínimo” que vai variar de acordo com os diferentes tipos, tamanhos e categorias de navios (o cálculo do EEXI tende a impactar mais os navios mais antigos);
2) Carbon Intensity Indicator (CII): Os navios serão classificados em: A, B, C, D ou E (sendo “A” o melhor), de acordo com a emissão de GEE proporcional à quantidade de carga e a distância percorrida. “Esse índice determinará o fator de redução anual necessário para assegurar a contínua melhoria da intensidade de emissão de carbono dos navios (navios menores e/ou mais antigos tenderão a se focar em rotas curtas/regionais). Segundo a nova norma da IMO, o navio que por três anos consecutivos for classificado como “D” e “E” deverá tomar medidas corretivas (mudar o combustível, trocar de rota, diminuir a velocidade entre outros) para reclassificar-se no nível “C” ou acima”, citou Grantham;
3) Ship Energy Efficiency Management Plan (Seemp): Passará a ser um documento obrigatório do navio, estabelecendo o plano para melhorar sua eficiência energética de maneira economicamente viável. “Essas medidas devem entrar em vigor em novembro deste ano e, caso isso de fato ocorra, as exigências para as certificações EEXI e CII passarão a valer já a partir de janeiro de 2023, muito embora a IMO ainda não tenha delineado como serão as penalidades para embarcações não conformes. Está planejada para o próximo mês de junho uma reunião na sede da organização em Londres para tratar dessas medidas”, destacou o executivo da Solve Shipping Intelligence.
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